quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Um poema de Pessoa


Conta a lenda que dormia
uma princesa encantada
a quem só despertaria
um infante que viria de além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado, vencer o mal e o bem,
antes que já libertado, deixasse o caminho errado
por o que a princesa vem.

A princesa adormecida, se espera,
dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
e orna-lhe a fronte, esquecida, verde,
uma grinalda de hera.

Longe o infante esforçado,
sem saber que intuito tem,
rompe o caminho fadado,
ele dela ignorado e ela pra ele, ninguém.

Mas cada um cumpre o destino.
Ela, dormindo encantada, ele, buscando-a sem tino,
pelo processo divino que faz existir a estrada.

E se bem que seja obscuro,
tudo pela estrada afora e falso,
ele vem seguro, e rompendo estrada e muro,
chega onde em sonho ela mora.

Inda tonto do que houvera, à cabeça em maresia,
ergue a mão e encontra hera,
e vê que ele mesmo era,
a princesa que dormia.

Eros e Psiquê, de Fernando Pessoa.

0 Deixe seu comentário::